15 de dezembro de 2010


O SENTIDO DO AMOR
Já vimos como o caráter de sentido da existência humana se funda no “caráter de algo único” e na irrepetibilidade da pessoa. Vimos também que os valores criadores se realizam sempre na forma de realizações que sempre têm relação com a comunidade. Ficou patente, assim, que só a comunidade, enquanto ponto de referencia em ordem ao qual se orienta a criação humana, confere o sentido existencial àquele “caráter de algo único” e irrepetivel próprio da pessoa. Mas não basta falar, a este propósito, da criação. A comunidade também pode ser aquilo para que se orienta a vida humana. Especialmente a comunidade a dois: a comunidade de um eu com um tu. Se prescindimos do amor num sentido mais ou menos metafórico, para nos atermos ao amor no sentido Eros, temos que o amor representa o campo onde de um modo especial são realizáveis os valores da vivência. O amor é, afinal, a vivência em que, pouco a pouco, se vive a vida de outro ser humano, em todo seu “caráter de algo único” e irrepetível!
Além do caminho da realização de valores criadores em que, portanto, se dá algo de ativo, para fazer valer o “caráter de algo único” e a irrepetibilidade da pessoa, há um segundo caminho, como que passivo, onde tudo quanto o homem tem que conquistar, em geral, mediante um agir, lhe cai do céu, por assim dizer. Esse caminho é o caminho do amor, ou melhor: o caminho do ser amado. Sem necessidade de se propor fazer propriamente seja o que for, sem um “mérito” propriamente dito – como que por pura graça -, o que aqui sucede ao homem é que lhe cabe em sorte aquela plenitude que reide na realização do seu “caráter de algo único” e irrepetível. No amor, o amado é essencialmente  captado como um ser irrepetível no seu ser-ai (Da-sein), e “único” no seu ser-assim (So-sein)*, que é o que ele é; concebido como Tu e, enquanto tal, acolhido num outro Eu. Como figura humana, vem a ser, para quem o ama, insubstituível, ninguém podendo fazer as vezes dele, sem que por isso ou para isso tenha que fazer seja o que for. A verdade é esta: o homem que é amado “não tem culpa” de que, em sendo amado, já se realize o que há de irrepetível e único na sua pessoa, isto é, o valor da sua personalidade. Não é “mérito” o amor, ates é graça.
Mas não é só graça, é também feitiço. Para quem ama, o amor enfeitiça o mundo, mergulha-o numa nova valiosidade. O amor dá àquele que ama uma maior altura no que diz respeito à ressonância humana em face da plenitude dos valores. Abre-lhe o espírito ao mundo, na sua plenitude de valores, a toda a “gama dos valores”. Assim, o amante, ao entregar-se ao Tu, experimenta um enriquecimento interior que transcende esse Tu: o cosmos inteiro torna-se para ele mais vasto e mais profundo na sua valiosidade; resplandece nos raios de luz daqueles valores que só o enamorado sabe ver, pois, afinal, não faz cegos o amor, mas sim videntes – dando aguda visão para os valores. Por fim, ao lado da graça de ser amado e do feitiço do amar, um terceiro momento surge ainda no amor: o seu milagre; porque, precisamente através do amor, e dando um rodeio pelo biológico, consuma-se o que é de algum modo inconcebível: uma pessoa nova entra na vida, cheia, ela também, daquele mistério do “caráter de algo único” e irrepetível da existência – e um filho é isto”.
*A mesma idéia é utilizada pelo autor com esta expressão modificada: “ser-assim-e-não-de-outro-modo” (So-und-nicht-anders-sein).
FRANKL, Viktor E., Psicoterapia e Sentido da Vida: fundamentos da Logoterapia e analise existencial, 5ª Ed., São Paulo: Quadrante, 2010, PP. 172,173