25 de janeiro de 2013

A tríade existencialista


Angelo P. Campos *

Carta 21 do Tarot de Marselha (Jean Noblet, 1650)
A escolha, a afirmação do valor, a responsabilidade, o engajamento...  tudo isso um homem pode suportar? Um homem pode assumir? Não é possível procurar a maneira que convém viver acreditando unicamente na ação individual. Supor que o engajamento individual não compromete o outro falsifica as relações, sendo conveniência de má fé. O contrário, porém, a autenticidade consigo mesmo, implica assumir a tríade do existencialismo: a angústia, o desamparo e o desespero.
A angústia representou a fonte de inúmeros ataques ao pensamento de Sartre. Explicitada em seus romances e no ensaio de ontologia fenomenológica O Ser e o Nada, é apenas indicada em O Existencialismo é um Humanismo, amenizada, inclusive: “Trata-se de uma angústia simples, que todos aqueles que já tiveram responsabilidades conhecem” (SARTRE, 2010,30). A angústia apresenta-se irremediavelmente conjugada à responsabilidade.

O desamparo é a consequência do fato assumido de que Deus não existe. Porém aqui, Sartre diferencia-se dos demais ateus e mesmo dos humanistas. Para esses, não havendo Deus – hipótese inútil – ainda há um a priori de alguns valores universais, ainda há uma “natureza humana” focada no bem. Ao contrário, para o existencialista, se Deus não existe, o incômodo é mais extenso, pois não existem também valores universais a priori, nem natureza humana alguma, nem nenhum bem inteligível. Eis o sentido do desamparo, irremediavelmente conjugado à liberdade absoluta. Eis o contexto da frase mais famosa do existencialismo: “O homem está condenado a ser livre” (SARTRE, 2010, 33).

Quanto ao desespero, Sartre define que a vontade própria ou as probabilidades da ação possível são as únicas ferramentas com que se pode contar. Estar entregue ao domínio das probabilidades, algo da ordem da vida que não se pode mudar, algo a que não se tem acesso. Algo fora do domínio humano. Mas contar com a probabilidade só é possível no momento em que a ação humana se conforma às possibilidades. Fora isso, resta apenas um sofrimento sem sentido.
Nisso também consiste a resposta de Sartre quanto ao problema do quietismo. Ao contrário do que proclamado pelos críticos, o existencialismo é uma filosofia da ação, radicalmente oposta ao quietismo. A realidade almejada pelo homem está no ato de projetar-se. Ele jamais se realiza no quietismo.

Para o existencialismo “só existe realidade na ação”. Pensar, sonhar, criar expectativas ou mesmo ter esperanças e cultivar a vida nesse entorno redunda na inutilidade e no malogro. Um homem é, e será sempre, aquilo que fizer de si mesmo, i. e., aquilo que realizar. Nada mais. A dureza desse pensamento é uma “dureza otimista”. Pretende mostrar que, para além das influências do meio, da sociedade, da constituição fisiológica e de qualquer tipo de determinismo a sossegar o espírito, inegavelmente há uma possibilidade de escolha. Não uma escolha qualquer, mas aquela pela qual nos tornamos responsáveis. É esta, e somente esta escolha, a portadora da autenticidade da ação, mesmo quando nada há de heróico nela.
O que, segundo Sartre, a maioria de seus críticos e, de um modo geral a maioria das pessoas se recusa aceitar é a dureza otimista, a exigência de engajamento. Se levarmos em consideração o momento histórico da exposição dessas teses e a condição geral da Europa pós-guerra, o discurso existencialista parece demasiado radical e talvez não seja estranha a dimensão da recusa ou a dificuldade em compreendê-lo. No entanto, no transcurso de sete décadas, o que resta ao homem do trato com a liberdade? E em que medida se pode afirmar o assunto da responsabilidade?

O cenário do mundo contemporâneo não transita por esse ideário. A civilização que se quer “mundial” (esta que se autodenomina “aldeia global”) dialoga com a inautenticidade. O contrário dela é o existencialismo, filosofia para poucos. Não é possível aceder a ela sem atravessar uma crise. Nisso, há que se cultivar a “dureza otimista”. Porque não há definidor melhor para a atualidade do que este: momento de crise. De resto, pergunto-me se não foi mesmo sempre assim. Será?

* O autor contenta-se em ser Jardineiro. Nas horas vagas dedica-se a funções de menor mérito tais como a filosofia e a psicanálise.
 

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