14 de setembro de 2011

Impressões sobre o sete de setembro

Angelo P. Campos[1]

Relato, a título de mera curiosidade e exercício crítico, as impressões sobressaltadas em minha primeiríssima observação de um desfile militar do orgulho patriótico representado pelo sete de setembro. Já me aproximo da casa dos quarenta e, acreditem, nunca havia visto tal bizarrice tão de perto.
Tudo começa com o desfile dos veteranos de guerra. É impressionante, mas ainda existem! Estavam muito animados, mais até que os não veteranos, afinal nem mesmo a guerra pôde acabar com eles. Alguns ainda marchavam como há sessenta anos, apesar de suas posturas já não serem lá tão marciais.


Assisti sorridente ao desfile dos alunos do Colégio Militar, aliás, considerado hoje a melhor referência em educação no país. Impressionante como marcham os alunos mais gordinhos, que esforço realizam pela pátria-mãe, vertendo em público seu abnegado suor. As meninas, como deve ser em meio militar, vieram depois dos meninos, muito zelosas, inclusive.


Ah, impressionante o desfile dos carros alegóricos, ops, digo, dos veículos de combate militar. Grandes e pequenos brucutus, fabricação nacional, a maioria da década de setenta, mas com pintura retocada e brilhosa, pneus novos. Para o observador leigo aquilo é o auge da nossa soberania. Para qualquer observador um pouco mais acurado – e esses são cada vez mais escassos – trata-se de um pavoroso espetáculo de nossas fraquezas. Como tiveram essa ousadia, levar carcaças de museu para um desfile ao som dos tambores e das sirenes? Que cena gritante da velha politicada Panis et circencis, iniciada há seus dois mil anos pelo mui esperto e competente Augustus, autointitulado César, Imperador da pomposa e militaresca Roma, já despossuída do espírito da República. A ideia vingou tão bem que calha aos atuais governantes em todo o mundo e há de calhar enquanto o pão for adocicado e o circo sempre mais colorido e alegre.


Buzinadas e patetadas a parte, a sequência mostrou um longo grupo de Pfems. A primeira fileira, muito bem alinhada, seguia o padrão e o figurino do comando. Porém, a partir da segunda fileira, o espetáculo foi medíocre. Mulheres demonstrando cansaço e penúria em seus gestos e semblantes murchos. Uma delas vai permanecer na minha memória de desfiles, pois carregava uma bacia imaginária em seus braços enquanto marchava. Nunca havia visto tal gesto marcial. Mas entendi sua carga emotiva, como sinal de um inconsciente coletivo em que cabe somente às mulheres, mesmo as guerreiras, o carregamento das bacias. Acredito que a roupa suja também se lava nos desfiles.


Mas eis que de repente surge uma fileira de espadachins, muito bem vestidos e organizados, animados por uma bandinha de tambores e trompetes. Pareceu-me terem saído de algum túnel do tempo, através de alguma sorte de tecnologia hiperquântica, dessas que animam os cientistas menos malucos. Meu filho caçula, aninhado em meus ombros, até esticou o pescoçinho para vê-los melhor. Nesta mesma sequência do túnel do tempo veio com marcha pesada e poderosa um grande bando vestido de negro, totalmente encapuzados, assustadores. Eram os ninjas. Não pensei que um dia os veria assim tão próximos. Silenciosos, muito bem armados, a marcha impecável, exatamente como nos animes. Esses foram aplaudidos pelo povo. Não sei por quê, mas acho que mereceram aplausos, apesar de não terem feito nada típico de ninjas, como por exemplo desaparecer no meio da fumaça. Tudo bem! Não se pode exigir tanto num desfile. Agora confesso: pavorosos mesmos, vindos do futuro, foram os androides! Verdadeiros homens-máquinas-de-destruição, armados até os dentes, capacetes de Jedi, garras de Wolwerine, suas armas não são convencionais, pois detonam grande poder só de olhar para elas, tão medonhas. Senti um frio na barriga diante desses androides. Fiquei aliviado quando o túnel hiperquântico do tempo deu sua última rabanada.


A sequência seguinte mostrou a realidade temporal atual, com a qual convivo de modo provisório, afinal não pertenço nem a este mundo nem a esta época.


Tratava-se de um rebocador de helicópteros. Havia uma carcaça de helicóptero desfilando com os aviadores em terra. Meu filho gostaria de tê-lo visto voando. Acreditei que uma caixa de pilhas Rayovac pudesse resolver o problema afinal era só um brinquedo.


Não posso deixar de replicar o tremendo mau gosto da Polícia Rodoviária ao expor o caminhão reboque. Da janela, uma moça bonita e sorridente acenava para a multidão entusiasmada. Alguma vez na vida um carro desses já esteve a serviço do povo? O que fazem com isso senão recolher os veículos daqueles que não pagaram seus impostos em tempo hábil? Trata-se de um crime do Estado contra o cidadão, que se vê privado de seu meio de transporte ou de trabalho em razão de um débito para o qual existem inúmeras maneiras menos agressivas de coerção. Outra bizarrice para a qual aceno tangencia ao desfile da Polícia Militar, pois, no intuito de ganhar a consciência das crianças, levaram um sujeito fantasiado de ‘boa praça’, com uma cabeça enorme, em muito semelhante ao querido personagem dos quadrinhos, o Cascão. Convenhamos, isso não me cheira nada bem.


Logo depois vieram os cavaleiros. Esses sim fizeram bonito. Meu filho, já com sono, perguntou se eram os mesmos cavalinhos das Crônicas de Nárnia e se também falavam. Disse que deveriam ser os mesmos e se prestássemos mais atenção talvez víssemos o próprio Aslam, já que em nosso mundo ele tem outro nome e outra aparência. O reino animal marcou presença positiva na Av. Afonso Pena. Atrás dos cavalos estavam os cães, dando show de disciplina e cidadania. Ao contrário do que pensam alguns desavisados, esses seres recebem cuidados especiais, contando com alimentação balanceada, folga semanal e férias. Os equinos gozam de atendimento psicológico especializado, exercido por profissionais formados na mais alta psicoequinocultura. Um dia, quiçá, venha o povo a merecer o mesmo.


Finalmente terminava a parada militar do orgulho gay, ops, digo, a parada militar de sete de setembro. Interessante mesmo a participação da sociedade civil, através de suas organizações e fundações educacionais e culturais. Compuseram minha segunda parte de impressões.


Depois de espadachins, ninjas e androides, animou o desfile o primeiro grupo da sociedade civil. Dando provas de civilidade e organização o pessoal do Universo em Desencanto, todos vestidos de branco, com seus estandartes e bandeiras, uma banda afinada, composta por adolescentes. Senti falta do Racional Superior, e também da sua Nave Mãe, afinal essas coisas fazem parte do desfile. Embora seja sabido o pavor que estes extraterrestres nos causam. Alerto-lhes para que não se assustem, é tudo firula. Quando extraterrestres aportam por aqui vão direto para Washington, D.C., entram em conflito com os americanos e sempre são derrotados. É até assim que eles comemoram seu Independence Day.


Pra minha surpresa lá estavam também uns vampiros, com suas vestes negras de condes transilvânicos, suas capas esvoaçantes vermelho-sangue, todos muito mal encarados, protegendo-se da fulgurância do sol com seus óculos escuros. Juro que eram eles mesmos, saídos de seus sarcófagos esotéricos. Seus estandartes negros traziam símbolos ocultos desde o antigo Egito e até da Atlântida. Em um deles pude identificar o seguinte tetragrama: G.A.D.U., além de uma cabeça de bode. Embora ainda causem impacto com sua presença, tais criaturas são hoje bem aceitas, exceto por espíritos menos esclarecidos que tanto temem seu suposto poder.


Devo tecer as considerações finais pra não tomar em vão o tempo do leitor. Vários segmentos da sociedade civil demonstraram trabalhar pelo bem. Fiquei feliz com os valores exercidos pela BSGI, o Lions Clube e o Instituto de Educação. Essas pessoas merecem crédito por me fazerem acreditar que ações em prol da educação, da ecologia e do bem estão sendo exercidas com afinco primoroso para que tenhamos em breve uma sociedade em cujos próximos setes de setembro não precisemos mais expor a bizarrice e a patetada dos milicos. Façamos um apelo ao bom senso para que os próximos momentos cívicos sejam tão somente exercidos pelo povo de bem, vamos apagar essa patusquela armamentista da independência, vamos proclamar a independência da inteligência, do bom senso e da ética.

Zelosamente, aos beneplácitos da paz, em 07 de setembro de 2011.


 
Obs.: O texto é um exercício livre de pensamento. Não existe intenção de ofender ninguém. Trata-se apenas de impressões pessoais.
Email do autor: angelocampos@gefil.com.br




[1] Angelo P. Campos é Jardineiro, também filósofo e psicanalista nas horas vagas.
 
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2 comentários:

  1. Muito bom. Texto crítico e bem humorado. Indiquei para meus alunos de sociologia. Parabéns.

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